Prezados, bom dia.
Primeiramente gostaríamos de agradecer ao professor Floriano pela paciência e oportunidade que nos foi concedida nesta entrevista.
Segue a entrevista. Apreciem sem moderação!
Equipe: Primeiramente gostaríamos de saber um pouco do seu perfil. Sua origem, conquistas, etc.
Floriano: Sou Floriano Paulo de Almeida Neto, meu primeiro professor foi Fuiyo Oide na Associação de Judô Lapa, há 42 anos, sou formado em Educação Física pela USP e especialista em treinamento esportivo. Fui várias vezes campeão Paulista e conquistei 7 títulos nacionais entre Junior, Estudantil (antigo JEB’s), Universitário, etc.
Medalha de prata no Mundial Universitário e bronze na Shorik Cup. Como técnico os títulos vem através de meus atletas, portanto, participei na conquista de medalhas em mundiais de juniores, seniores, olimpíadas, e outras em campeonatos continentais.
Trabalhei 13 anos no Projeto Futuro em São Paulo, além de clubes como Espéria, São Paulo Futebol Clube e atualmente no Minas Tênis Clube, onde conquistamos 2 títulos de Troféu Brasil e 1 título de Gran Prix nacional.
Equipe: Você foi técnico do projeto futuro correto? Fale um pouco sobre o projeto. Como era na época em que estava lá? O quanto contribuiu e ainda contribui para o judô nacional?
Floriano: O Projeto foi minha vida por 13 anos. Aprendi muito lá, foi uma universidade, com mestrado e doutorado, uma experiência realmente incrível e mágica. Eu trabalhava com pessoas especiais em busca de sonhos a se realizarem, mas eu olhava um pouco mais à frente e queria que fossem pessoas mais completas, portanto cobrava estudo, atitudes, caráter.
Posso afirmar que pela característica do projeto Futuro como começou que, o Judô de competição no Brasil pode se dividir entre antes e depois do PF, porque lá, conseguíamos manter os atletas na mão praticamente o dia todo e implantar um sistema de treinamento, com uma rotina diária de 2 sessões, onde tentei aplicar um pouco de ciência do esporte apoiando as questões técnicas. Depois disso, várias equipes começaram a reformular o método de trabalho, pois viam sair muitos campeões de lá.
Por alguns anos, a base da equipe Júnior brasileira era de lá, sempre tínhamos 5 ou 6 atletas na seleção de base. Até hoje tem atletas da seleção principal que foram do Projeto Futuro e outros que estão treinando lá, já estão ocupando as vagas de titular.
Equipe: Entendendo o judô como uma arte e como um esporte, existe diferença no conceito de ensino do judô se compararmos um judoca que treina, se forma e torna-se sensei como alguém que apenas compete judô?
Floriano: São coisas distintas, mas que por aqui ainda se misturam. O Judô é algo além da competição, é muito maior que competição. Competição é só uma das vertentes do judô.
Minha filosofia de trabalho é: através da competição, do treino para competição, trabalhar o ser humano que busca o resultado, para que ele perceba que o mais importante de tudo é o caminho que ele trilha para sua maior conquista. Através desse processo ele se torne uma pessoa melhor, não pelo resultado alcançado em si, mas sim por ter conseguido passar pelo processo todo, percorrer o caminho e ter sabido superar todas as dificuldades para atingir sua meta.
Creio que, se tiver formação acadêmica sempre vai sair na frente, se tiver sido competidor vai ter um pouco mais de vivência desse processo de superação que eu falei.
Tem pessoas que tem o dom de trabalhar com crianças, outras com adolescentes e outras ainda, com alto rendimento e todas essas pessoas serão importantes no processo de ensino/aprendizagem. Hoje acho cada vez mais difícil um atleta começar em uma academia e ir seguindo até uma medalha olímpica sem que haja outros profissionais dando suporte, interagindo, com esse atleta.
Equipe: Qual a idade ideal para início da prática? Há diferenças no caso da pergunta anterior?
Floriano: Depende de como será o início da prática. Hoje é comprovado o processo da motivação no processo ensino/aprendizagem, portanto as aulas não são mais apenas de fundamentos de Judô em si, há um método de ensino onde se utilizam processos pedagógicos multidisciplinares que fazem a criança se desenvolver de maneira mais ampla do ponto de vista corporal. O sensei de hoje tem que proporcionar à criança possibilidades de vivência motora.
Aí te respondo que a idade ideal para o início da prática está, hoje em dia, relacionada à capacidade do professor que está à frente do grupo de alunos, saber iniciar de forma correta para a faixa etária que tem na mão.
Equipe: Qual sua opinião sobre intercâmbio? Entre academias, estados, países.
Floriano: A troca de experiências e de conhecimentos só faz com as pessoas cresçam. Conhecer novas realidades e novas “verdades” é importantíssimo. Falo assim porque existem tantos “donos da verdade”, no meio do Judô, infelizmente.
Equipe: Você acha que o reconhecimento pelo que fez pelo judô veio rápido ou demorou?
Floriano: Na verdade, para ser sincero nunca pensava em reconhecimento pelo que eu fazia, eu estava tão envolvido com meus atletas que isso não me chamava a atenção. Reconhecimento não depende de nós, mas sim de quem nos reconhece ou não, o problema é deles.
Hoje sou reconhecido pelo que eu fiz, pelos resultados, mas sei que sou reconhecido pelos atletas com quem trabalhei por outros quesitos além dos resultados.
O Minas Tênis me convidou para trabalhar pelo trabalho que fazia com os garotos de 14, 15 anos, levando-os à seleção e pela postura desses atletas.
Equipe: Sabemos que você foi e ainda é técnico de grandes atletas. Para esses atletas existe treino específico? Qual seria a ‘receita’ ideal de treinamento para se tornar um campeão mundial em termos do compromisso do atleta e considerando o treino prático (lutas, entradas, musculação, uso de suplementos, alimentação, etc.) enfim, a rotina do atleta que tem como meta o título mundial/olímpico.
Floriano: Quem trabalha comigo sabe que não há treinos especiais para um ou outro. Há momentos especiais que cada um dos atletas vivem e portanto devem ser trabalhados diferente naquele momento específico. O segredo maior do meu trabalho é que eu valorizo estar todos os dias com meus atletas. É o que eu chamo de olho no olho, eu sei exatamente o que está acontecendo com eles, dentro e fora do tatami. (nem tudo, é claro! Rsrsrsrsrs)
Um campeão mundial se forma no dia a dia dele, nas 10.000 horas necessárias, segundo a neurociência, para se considerar “expertise”. Digo isso porque são tantos detalhes que te afirmo não haver receita, pois para cada medalha conquistada tem uma história por trás.
Agora te afirmo que: Determinação, compromisso e não desistir nunca são alguns dos quesitos importantes para a conquista de uma meta ou uma medalha.
Equipe: A nova regra do judô proíbe ataque as pernas do adversário salvo quando sequência, contra-golpe ou pegada cruzada. O que você acha disso? Acha que a regra foi radical?
Floriano: Na verdade tenta-se resgatar o judô mais verdadeiro, mais puro. O Judô pagou o preço de se globalizar, chegar dentro da vida de russos, brasileiros, coreanos, americanos, iranianos, etc. Portanto era natural que nesse processo sofresse influências técnicas.
Eu sempre trabalhei dentro do conceito do Judô mais puro, mais próximo da raiz dele lá no Japão. As técnicas de agarres de pernas tinham seu espaço nas competições sim, na minha opinião. Mas o que eu vejo é que os atletas perderam a essência das outras técnicas do judô, já não queriam mais aprender os fundamentos da nossa modalidade, queriam pular etapas e partir só para o agarre.
Agora, tenho que jogar a responsabilidade disso para os professores também, pois se acomodaram e passaram a fazer o aluno/atleta a pular etapas em função do resultado e pararam de ensinar Judô e partiam para ensinar só agarrar as pernas, são os professores que ensinam isso, não é verdade?
Na minha opinião devemos nos ater um pouco mais ao Judô infantil, em estudar regras adaptadas para crianças, assim como praticamente todas as modalidades já fizeram. Penso que, não se pode ter a mesma regra para um campeão olímpico e para uma criança de 9, 10 anos há de ser regulamentado em nível nacional, já que existem estados que tem regras adaptadas mas no campeonato brasileiro a regra não é adaptada.
Equipe: De acordo com a nova regra técnicas perfeitas do judô geralmente confundidas com “catadas” como kata-guruma ou morote-gari estão proibidas. O que você acha disso? Você não acha que a FIJ matou um pouco do judô clássico?
Floriano: Acho que o Judô clássico não dependia dessas técnicas apenas, mas entendo que em um primeiro momento tem que se radicalizar sim para depois se ajustar a bom termo.
Equipe: Como você avalia os recentes resultados do judô brasileiro nos campeonatos internacionais?
Floriano: O Judô brasileiro está consolidado mundialmente, os resultados são frutos de um trabalho de muitos professores que há tempos vem dando a vida pelo judô. A CBJ tem muito mérito em ter desenvolvido um sistema de departamentos que trabalham de maneira interdisciplinar que facilita atingirem resultados. Não se pode esquecer do trabalho de cada técnico, seja de clube grande ou não, que está todos os dias com seus atletas na mão e também dos clubes e que investem mensalmente nos seus atletas, para que possam ter condições de seguirem no caminho certo dentro da carreira, e das federações que fazem a interface clubes, CBJ, além de conduzir o judô nos estados.
Equipe: Temos visto que a CBJ anda investindo pesado no judô nacional com treinamentos de campo, seletivas para diversas categorias, médicos especializados como ortopedistas, fisioterapeutas e até ginecologistas, além de todo o apoio de translado, alimentação, equipamentos e etc para os atletas. Até que ponto você acha que este investimento irá gerar resultados para o judô nacional? Acha que a CBJ poderia investir em mais alguma coisa?
Floriano: O retorno é sempre positivo sim, pois cada bom resultado, repercute na comunidade do judô nacional, positivamente.
A questão de investimento é bem complexa e creio que a CBJ tem planos concretos para esses investimentos.
Floriano de Almeida.
Fonte: Equipe Jita Kyoei
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